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O ICOMOS Brasil presta sua homenagem à memória de Giovanni Carbonara, falecido neste primeiro dia de fevereiro de 2023, através da coordenadora brasileira do Comitê Científico de Teoria, Profa. Beatriz Mugayar Kühl:

Giovanni Carbonara (1942-2023)

O desaparecimento repentino do professor Giovanni Carbonara no dia 1 de fevereiro deixa um vazio imenso em quem o conheceu.


Carbonara desenvolveu sua carreira na faculdade de arquitetura da Sapienza Università di Roma, na qual foi professor de restauro (catedrático desde 1980), e diretor (depois diretor emérito) da prestigiosa Scuola di Specializzazione in Beni Architettonici e del Paesaggio (1995-2013). Listar todos os aspectos de sua atividade exigiria um espaço-sem-fim, mas cabe citar alguns deles para dar uma ideia da amplitude de sua atuação. Colaborou com diferentes organismos nacionais e internacionais, entre eles o ICCROM e o ICOMOS, ocupou numerosos cargos administrativos, foi membro de conselhos, a exemplo do Consiglio Superiore per i Beni Culturali e Paesaggistici, além de ter sido Presidente del Comitato tecnico-scientifico per i Beni Architettonici e Paesaggistici do Ministero per i Beni e le Attività Culturali. Foi responsável direto ou consultor de diversos restauros, como o de S. Stefano Rotondo em Roma e o da basílica de Collemaggio em Aquila. O amplo respiro de suas atividades fez com que unisse de forma exemplar uma constante atuação acadêmica e de formação a uma consistente participação em instâncias administrativas e profissionais, com impacto direto nos destinos da preservação dos bens culturais na Itália, com repercussões em outros países.


Carbonara tinha uma qualidade muito rara em intelectuais de seu quilate: a de unir refinamento intelectual, vasta cultura e capacidade de comunicar com clareza ímpar. Isso fazia com que abordasse problemas intricados com grande rigor epistemológico e expusesse suas ideias de forma direta, sem recair em simplificações. Oferecia a seus interlocutores uma lente generosa e límpida para enxergar e enfrentar o mundo dos bens culturais com suas complexidades e contradições. Entre suas qualidades, a de ler e reler criticamente o devir do campo do restauro a partir de suas origens, o que necessariamente leva a reorientações, sem necessidades de forçar rupturas. O rigor epistemológico jamais significou engessamento; pelo contrário, Carbonara tinha em conta as complexas questões – econômicas, socioculturais e políticas, administrativas etc. – e inabalável abertura ao futuro.


Sua capacidade crítica repercute em todos os seus escritos, como nos seus numerosos e seminais artigos – entre os quais em português, “Brandi e a restauração arquitetônica hoje”, (Desígnio, n. 6, p. 35-47, 2006) – nas precisas resenhas que elaborou desde o início de sua carreira, nas diversas apresentações e prefácios de livros que fez nos mais variados ambientes culturais, incluindo o Brasil – o mais recente deles para o livro de Natália Miranda Vieira-de-Araújo –, nos verbetes de prestigiosas enciclopédias e em seus livros que são referências essenciais para quem quer enfrentar temas de preservação com consistência, desde La reintegrazione dell’immagine (Roma, Bulzoni, 1976), passando pela organização do monumental Trattato di restauro architettonico (em 12 volumes, editado pela Utet de Torino entre 1996 e 2011), pelo incontornável Avvicinamento al restauro. Teoria, storia, monumenti (Napoli, Liguori, 1997), até chegar à relação restauro produção arquitetônica contemporânea em textos mais recentes como Architettura d’oggi e restauro. Un confronto antico-nuovo (Torino, Utet, 2011). Toda a sua produção deve ser analisada com zelo.


Sua visão repercutiu sobremaneira na formação de numerosíssimos estudantes da graduação, da especialização e do doutorado na Itália, incluindo diversos estudantes estrangeiros, e também na sua abertura ao diálogo com profissionais das mais variadas procedências.


Era incansável no atendimento de quem o procurasse e era incapaz de deixar de atender a uma solicitação, não importa de onde e de que forma viesse. Sua generosidade e bondade inigualáveis eram facetas que apontam para outra característica do grande mestre, cada vez mais rara nesses tempos de hoje: além de um notável humanista, era um ser humano excepcional. Levar adiante o seu legado intelectual, com a mesma generosidade, correção e humanidade é um dever de todos nós.

Beatriz Mugayar Kühl

02/02/2023

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