Carta de Apoio ao Corpo Técnico do IPHAN PE e em defesa do conjunto tombado do Bairro do Recife
Como sabemos, o Bairro do Recife é Patrimônio Nacional, tombado pelo IPHAN em 2012 (Processo 1168-T-85 – Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do Antigo Bairro do Recife), em um perímetro que reconhece a importância do conjunto que resulta da Reforma Urbana realizada no início do século XX, seguindo o modelo da Paris do Barão de Haussmann. O traçado radial que parte do Marco Zero é marcado sobretudo pelos “boulevards” que se constituem através das Avenidas Rio Branco e Marquês de Olinda, com seus imponentes edifícios ecléticos que representam a influência da “belle époque” no Brasil e no Recife. Entre os edifícios ecléticos, destaque maior é dado àqueles que marcam suas esquinas com os característicos torreões coroados por cúpulas, muitas vezes tirando proveito e valorizando os lotes triangulares que resultam desse traçado radial (chamados “ferros de engomar”), se constituindo em mais uma especificidade desse conjunto que orgulha os cidadãos pernambucanos. O “Recife Antigo”, como passou a ser chamado mais popularmente, vem sendo objeto de reiteradas intervenções, públicas e privadas, que partem do valor atribuído pela sociedade, oficializado pelos órgãos de preservação, a este conjunto.
Diante de tudo isso, vimos a público demonstrar nossa preocupação com o “pronunciamento conjunto” (de 23/01/24) da Secretaria de Política Urbana e Licenciamento (SEPUL) da Prefeitura do Recife, em favor da aprovação dos projetos previstos para os imóveis de nº 23 da Av. Rio Branco e de nº 58 da Av. Marquês de Olinda que, juntos, conformam uma das principais quadras “ferro de engomar” do conjunto. Os projetos preveem a substituição de todas as esquadrias do 1º e 2º pavimentos das edificações e, pasmem, a construção de um restaurante em forma de zeppelin sobre a laje de cobertura de ambas as edificações, ultrapassando o gabarito permitido (1,22 m mais alto que a cúpula do nº 23 da Av. Rio Branco) e ficando praticamente colado à platibanda de ambas as edificações pela extensão de 4,72m das fachadas que se voltam para a Av. Marquês de Olinda, com fortíssima interferência em um dos principais imóveis de destaque do conjunto tombado que conforma a Praça do Marco Zero, ou seja, na leitura da paisagem histórica do bairro. Felizmente, o corpo técnico do IPHAN-PE, de forma unânime e assertiva, já havia emitido parecer técnico fundamentado (em 10/23) pela não-aprovação destes projetos em respeito à legislação pertinente. Em 20 de fevereiro último, após recurso realizado pelos arquitetos e responsáveis técnicos do projeto em questão com base no pronunciamento da SEPUL, mais uma vez por unanimidade, o corpo técnico do IPHAN-PE reafirma a decisão e análise já realizada, sendo incisivo quanto às normativas preservacionistas às quais o imóvel deve responder.
Por fim, ressaltamos que trata-se de um processo cujo trâmite junto ao IPHAN-PE, iniciado em 15/09/2023 através dos processos de n. 01498.000920/2023-41 (Av. Rio Branco, 23) e n. 01498.000922/2023-30 (Av. Marquês de Olinda, 58), estão disponíveis para consulta pública através do sistema SEI! do IPHAN e, sobre os quais, se faz urgente e necessário um debate público, já que estamos falando do coração do sítio histórico tombado nacionalmente pelo IPHAN. O debate público sobre intervenções em um patrimônio que é de todos é uma prática que já devia estar plenamente consolidada na gestão urbana e cidadã, e que não deveria depender da pesquisa sistemática de especialistas que procuram acompanhar as ações preservacionistas (ou não) na cidade e no país. Não é à toa que a imagem do conjunto arquitetônico e urbano, tomada a partir do Marco Zero e destacando os edifícios que encabeçam as quadras que se voltam a este, tornou-se um dos principais cartões postais pelos quais nossa cidade é reconhecida, que chega ser tatuado na pele de muitos pernambucanos.
Reiteramos nosso incondicional apoio à equipe técnica do IPHAN-PE, que tem agido de forma coerente com a atribuição que lhe cabe no sentido de zelar pelo cumprimento das orientações para a preservação do conjunto tombado do Bairro do Recife que conforma uma paisagem singular. A reutilização do imóvel é desejada e bem vinda e o uso proposto poderia ser plenamente absorvido pelo edifício objeto de intervenção, sem a inserção do novo e alienígena volume proposto. Com certeza a sociedade pernambucana, com seu elevado capital cultural, saberá valorizar uma intervenção que parta da preservação de nosso patrimônio. Ser moderno é ser sustentável e entender o valor cultural e econômico de nosso patrimônio plenamente preservado, vivo e utilizado, tirando partido de suas características singulares. Vamos ao debate!
Texto redigido por Natália Miranda Vieira-de-Araújo (Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE, Coordenadora do Núcleo PE do ICOMOS Brasil e Pesquisadora do Laboratório de Urbanismo e Patrimônio Cultural da UFPE - LUP) em nome das seguintes instituições:
- PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO URBANO DA UFPE (PPG.MDU-UFPE);
- INSTITUTO DOS ARQUITETOS DO BRASIL - IAB/PE;
- NÚCLEO PERNAMBUCO DO ICOMOS BRASIL;
- ICOMOS BRASIL
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