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Processo de limpeza da pichação no templo revela que tinta foi absorvida por pastilhas, o que dificulta restauração e preocupa autoridades. Abraço simbólico demonstra união em torno do monumento e da candidatura do complexo a reconhecimento da Unesco

Nem tão simples, nem tão rápido e muito menos tranquilo. O processo para apagar as marcas de pichação na Igreja de São Francisco de Assis, mais conhecida como Igrejinha da Pampulha, em Belo Horizonte, preocupa autoridades e o restaurador encarregado de limpar a sujeira causada ao monumento pelo morador de Ibirité, na Grande BH, Mário Augusto Faleiro Neto, de 25 anos, indiciado pela Polícia Civil por dano ao patrimônio. O presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Leônidas Oliveira, informou ontem que o spray está deixando marcas nas pastilhas dos mosaicos, na lateral direita do templo. “Estamos preocupados e serão necessários novos testes para verificar que produto será usado posteriormente”, disse o dirigente que, ao meio-dia, acompanhou o abraço simbólico dado ao cartão-postal por arquitetos, atores, artistas plásticos, professores, estudantes, empresários do setor de gastronomia e moradores.
“A tinta penetrou na porosidade das pastilhas, daí nossa preocupação, mas temos certeza de que tudo vai dar certo”, afirmou o presidente da FMC, órgão da Prefeitura de BH, ao mostrar as marcas que resistem sobre a superfície azul. Com larga experiência na área, inclusive no restauro da igrejinha em 2005, o especialista Wagner Matias Sousa disse que já usou acetona para remover a tinta, mas não tem ideia do prazo de conclusão do serviço. “Esse trabalho é igual a uma partida de futebol: termina quando acaba. Pode ser que seja no fim de semana”, estimou. Durante a manhã, ele trabalhou sob olhares curiosos dos turistas ou de quem caminhava pela orla da Lagoa da Pampulha. “Mais do que vandalismo, isso foi um ato de terrorismo contra o patrimônio”, destacou Wagner. O serviço de limpeza vai custar R$ 8 mil aos cofres públicos, verba que virá do Fundo Municipal do Patrimônio Cultural. Era exatamente meio-dia quando cerca de 100 pessoas participaram do abraço ao monumento modernista projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012) e com painéis de Cândido Portinari (1903-1962) retratando a via-sacra e São Francisco de Assis – a parte mais atingida pela pichação ocorrida na madrugada do dia 21. O objetivo do ato público, segundo a artista plástica Gri Alves, uma das organizadoras da manifestação, era demonstrar “amor e proteção ao templo”, além de repúdio à pichação e apoio à candidatura da Pampulha ao título de patrimônio da humanidade. O resultado do pleito será divulgado entre 10 e 20 de julho, em Istambul, na Turquia, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Educação patrimonial
“Estamos confiantes na conquista do título”, afirmou a paranaense Gri Alves, radicada em BH e que se considera mineira de coração e ofício. “Meu primeiro trabalho, feito com linhas, foi sobre a igrejinha”, contou, com orgulho. Ela adiantou que outro abraço está sendo programado para os próximos meses, desta vez cobrindo os 18 quilômetros da orla. Perto dali, o proprietário e cozinheiro do Restaurante Xapuri, Flávio Trombino, chamava a atenção para a necessidade de conservação permanente e segurança 24 horas. Presente ao local, o tenente Ricardo Gomes, comandante do setor Pampulha da 17ª Companhia da Polícia Militar (PM), disse que não houve alterações no sistema de vigilância do local, que conta com uma base da PM, câmera do sistema Olho Vivo, patrulhamento com policiais de bicicleta e rondas diárias. “Qualquer agressão ao patrimônio deve ser denunciada pelos telefones 181 e 190”, orientou.
Em visita à região, 37 alunos do 6º ano do Colégio Pio XII, tendo à frente a professora de ciências Denise Piló, deram as mãos e participaram com entusiasmo do ato em torno do templo. “É preciso muita conscientização, pois não se pode fazer uma coisa dessas com um monumento tão importante”, observou Sofia Victória Silva Santos, de 11 anos. A colega Joice Botelho Ferreira, da mesma idade, se disse revoltada com a pichação e pediu mais proteção para o conjunto arquitetônico da Pampulha. “A educação é o melhor caminho. Falta respeito”, acrescentou a professora Denise. O conjunto arquitetônico modernista é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte. Para a presidente do Sindicato dos Artistas, a atriz Magdalena Rodrigues, a pichação da igrejinha representa indigência cultural, falta de cidadania e de educação. “Foi uma agressão à cidade”, resumiu, ao fim da manifestação. O presidente do Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas (Sinparc), Rômulo Duque, também ressaltou a necessidade de preservação do conjunto arquitetônico edificado nas décadas de 1940 e 1950. O Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/Seção Minas Gerais) se uniu ao manifesto. “Educação patrimonial, com programas nas escolas, é fundamental para impedir tais agressões”, disse a presidente da instituição no estado, Rose Guedes. A diretora do Conjunto Moderno da Pampulha da FMC, Lucina Feres, também crê na conscientização do público como o melhor antídoto contra o vandalismo. A superintendente do Iphan, Célia Corsino, reiterou que as obras de restauro da Igreja de São Francisco de Assis só vão começar em janeiro de 2017. Segundo ela, estão garantidos recursos federais para as intervenções. Sem riscos ao título O dia de ontem reservava um segundo abraço à igrejinha, ocorrido por volta das 13h. Com cartazes em apoio à candidatura da Pampulha, um grupo se postou diante do painel de Portinari. O professor de arquitetura Leonardo Castriota, da Universidade Federal de Minas Gerais, está certo de que a pichação não vai interferir na decisão dos conselheiros da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “Houve rápida ação das autoridades para resolver o caso”, afirmou Castriota, presidente do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos) do Brasil, que assessora a Unesco. “É fundamental tirar lições deste episódio e fortalecer a conservação”, lembrou o também arquiteto e professor da UFMG Flávio Carsalade, para quem a educação patrimonial deve ser amplamente reforçada.
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